BUDAPESTE, Chico Buarque
Livro que recomendo: BUDAPESTE, Chico Buarque.
Li "Budapeste" em menos de 24 horas. Leitura fascinante, cativante, não consegui interrompê-la, dispondo de cada minuto disponível do meu dia atribulado para dedicar a narrativa.
ANÁLISE
Como literatura contemporânea, "Budapeste" apresenta um narrador em primeira pessoa, que põe o leitor muito próximo dos seus sentimentos conturbados. Entretanto, esse narrador não é onisciente intruso, porque ele não consegue nos transmitir o que se passa no pensamento das demais persoangens. Ele narra de um ponto de vista fixo na sua prórpia interpretação. Poderíamos então chamá-lo de um narrador protagonista, uma vez que toda a trama do romance se baseia na personagem.
Há em "Budapeste" a presença da cena e do sumário, Um fato relevante chama a atenção: a desconstrução dos diálogos, que não são marcados com travessão e parágrafos entre uma fala e outra. Tal registro sintático remete ao gênero literário de José Saramago. Não ouso afirmar, mas provavelmente tal estilo tenha influenciado o autor.
Há a presença da Câmera, que descreve ao leitor o cenário, o aspecto dos lugares e das personagens.
A abordagem sobre a língua é inteligente e intrigante.Realmente para nós, brasileiros, é uma língua toda desconhecida. Não só a língua, mas pouco sabemos da cultura húngura, porque até então não havia sido despertado curiosidade suficiente para pesquisa.
A narrativa é esquizofrênica, com a fragmentação do eu, que se multiplica e se transfigura nas situações vivenciadas pela personagem. A linearidade da diegese não é definida, mas pela sucessão dos fatos e pela própria descrição da personagem, percebe-se a mudança do tempo, de vários anos. Exemplo claro desse fato é quando José Costa retorna ao Brasil após sua deportação, e reencontra casualmente Joaquinzinho, seu filho, já homem feito, portador de bíceps invejáveis.
Para entender o livro, é preciso atenção, pois a narrativa inicia-se in media res, retornando a vida metódica da personagem na cidade do Rio de Janeiro, depois a transfiguração da personagem e sua experiência ao apreender a língua húngara e a erradicação em um país completamente oposto ao de sua origem.
A HISTÓRIA
É interessante perceber que em vários momentos a ficção assemelha-se a vida cotidiana, indo de encontro a nossa prórpria vida.
Digo isso porque o sentimento que José Costa sente em relação ao fato de escrever brilhantemente para políticos, universitários, advogados, entre outros, anonimamente, são experiências pelas quais já passei ao longo de minha vida profissional. É estranho ver outros assinarem e ganharem o louvor de textos, defesas, argumentos e teses feitas pela gente.
Outro fato, a relação conjugal é impressionante, pois apaixonado pela esposa Vanda, que nada tem em comum com ele, a não ser pelo filho, que também é propriedade feminina, o casamento caminha mal. Há uma convivência que macula a dor. Vanda não compartilha dos sentimentos de José, que também não se interessa pela carreira da esposa. Convivem harmoniosamente como estranhos.
Um fato que muito me impressionou com relação ao casamento de José Costa e Vanda foi o episódio do retorno dele de Budapeste, quando chegando em casa ela já está praticamente em uma nova vida, com nova rotina, morando em São Paulo, trabalhando no jornal noturno, o filho entregue a empregados de confiança, sem um telefonema, sem comunicação entre os dois. Ela o vê depois de meses, e era como se o tivesse visto ontem.
E mais, a despedida, o fim do relacionamento, a mala que cai de cima do guarda-roupa fazendo barulho, interrompendo o sono de Vanda, que vê o marido ir embora para nunca mais voltar, sem sentimento, vazio. Um silêncio pesa no ar, como se as palavras não pudessem ser ditas, ou não ousassem ser pronunciadas, com medo de dilacerarem ainda mais os corações.
O fato é que o autor não põe a culpa no homem ou na mulher. Não é a traição de José Costa ou talvez, quem sabe, o fato de Vanda ter se interessado por alguém que culminou no fim do relacionamento... é o próprio que tem o seu fim decretado, face as mudanças que a personagem protagonista sofre.
Primeiro o escritório cresce assustadoramente. O sócio, Álvaro, ávido por ganhar cada vez mais, descobre que o dom de José não é único, e que muitos jovens, saídos da universidade, tem a mesma facilidade de escrever por terceiros. Assim, enche o lugar de outros escritores anônimos. José cede seu espaço indo parar no quartinho dos fundos. Descobre um novo talento, autor de biografias, ganha fama através de O Ginógrafo, livro de memórias assinado pelo alemão Kaspar Krabbe (em tempo: o "ginógrafo" do título é um homem que tem a tara de escrever no corpo das mulheres).
Entretanto, é o deslumbramento pela língua húngara que leva nosso personagem protagonista a regressar a Budapeste e passar a ter aulas com Kriska. Claro que os dois vivem um caso de amor... que começa aos poucos, ganha espaço no romance. Entre alto e baixos, é Kriska que cativa a personagem, a tal ponto de fazê-lo residir lá, ingressar numa nova carreira no Clube das Belas-Letras, que iniciou como assistente de som e aos poucos, dominando o idioma que o encantou, acabou por se consagrar escritor anônimo novamente dos Tercetos Secretos, a quem concedeu a fama ao escritor Kocsis Ferenc.
O fim do livro é surpreendente, de retorno ao Brasil após anos de ausência, o idioma lhe confunde até mesmo os pensamentos. Álvaro, seu antigo sócio, é assessor de deputado em Brasília, que não atendeu aos seus insistentes telefonemas, talvez receoso de que José ou lhe pediria favores, ou quereria reaver parte de seus lucros no escritório, os quais nunca lhe foram devidamente prestados conta.
Hospedado no Hotel Plaza não tinha sequer como pagar as contas. O livro que anos antes fizeram grande sucesso na imprensa nacional agora era desconhecido nas livrarias. Passou a viver os dias sem perspectivas. Com cem dias de hospedagem, o hotel começou a lhe cobrar as diárias. Os funcionários já não lhe dirigiam sequer olhares, quiça palavras cordiais. Trancafiou-se no quarto, não utilizava o telefone, andava nu, para não sujar roupas, pendurado na maçaneta dia e noite o cartão com do not disturb. Passou a se alimentar das bandejas com restos que os outros hóspedes deixavam pelo corredor.
É surpreendido com o som do telefone que lhe causa, a princípio, estranhamento, depois verdadeiro pavor. Fazendo-se de morto, recusava atender o aparelho que insistentemente tilintava seu eco ensurdecedor pelo quarto. Toma uma atitude, veste seu terno, único e sai. O porteiro noturno não o conhece. Na rua, respira o ar fresco e agradece o fato de àquela hora não haver outras pessoas, com medo da grande violência que assola a cidade. Foi, sem se aperceber, de encontro ao seu antigo endereço. Não revê Vanda, também não sabe se o deseja.
Ao voltar ao hotel, já o dia é claro. O telefone o surpreende, parece que o aparelho tem olhos, tem vida, sente seu cheiro, percebe sua presença, pois ao seu sinal vital, toca, enchendo o ambiente de som. Num ímpeto de coragem, atende o aparelho.
E aí o romance chega ao seu clímax. José Costa é saudado em húngaro pelo cônsul, que em nome da companhia Lantos, Lorant & Budai, solicita o seu regresso imediato a Budapeste, com visto permanente. É autor de um grande sucesso BUDAPESTE, de Zsoze Kósta. Entrentanto, não foi ele quem escreveu o livro, e sim o Sr..., um outro escritor anônimo que o confrontava em todas os escontros de autores anônimos. Sabia só agora que o Sr.... era ex-marido de Kriska, pai de Pisti. Sua vida segue enão um novo rumo. Kriska é mãe de um filho seu. O perdão já faz parte do reencontro e enfim, nosso personagem protagonista, José Costa é agora naturalizado em Budapeste, país que por um acidente de percurso aéreo, entre um vôo com saída de Istambul e destino a Frankfurt, graças a uma estranha língua, transforma definitivamente a vida das personagens desse consagrado romance de Chico Buarque.